Este CD triplo “ A Música para Flauta de Francisco Mignone” , lançado em dezembro de 2010, é fruto de projeto de pesquisa realizada na UNIRIO e tem o imprescindível apoio financeiro da FAPERJ, possibilitado pelo Edital de Apoio às Artes, de 2008. Este produto artístico, constituído de uma coletânea de três CDs com repertório que, em sua maior parte está sendo registrado pela primeira vez, buscou resgatar obras relevantes da literatura para flauta na música de câmara de Francisco Mignone, tentando contribuir assim para a sua divulgação entre o público e músicos interessados em sua performance. O projeto contou com um grupo de músicos de notória excelência artística, estudantes dedicados e pesquisadores de notória competência, todos ligados, de alguma forma, ao Instituto Villa-Lobos da UNIRIO.
Apesar do público contemporâneo associar a figura de Francisco Mignone (1897-1986) ao ideal nacionalista e principalmente à sua música para piano solo, sua produção é bem diversificada, compreendendo de obras sinfônicas à ópera, de canções à música de câmara em estilos e tendências estéticas variadas.
Sua contribuição ao repertório para flauta transversal, a despeito de ser ainda pouco conhecida, pode também ser considerada importante não somente por apresentar grande número de obras que incluem a flauta, mas também pela maneira inventiva em que este instrumento é utilizado, freqüentemente exigindo habilidades virtuosísticas do executante. Mignone compôs mais de trinta obras para música de câmara, entre originais e transcrições, que incluem a flauta transversal. Provavelmente esta predileção pelo instrumento se deve ao fato de seu pai, Alfério Mignone, ter sido um flautista profissional e de Francisco Mignone também ter tocado este instrumento na juventude.
Alfério Mignone com flauta de madeira, 1945.
Esta antologia de gravações apresenta parte deste repertório e inclui, seguindo a tendência do compositor, algumas transcrições e adaptações de obras originais para outras formações, feitas especialmente para esta oportunidade. Este repertório é representativo da produção de Mignone ao apresentar as características estilísticas que caracterizaram sua trajetória composicional: 1) música popular composta sob pseudônimo de Chico Bororó, 2) eurocentrismo e neoclassicismo sem intenção nacionalista explícita; 3) nacionalismo; 4) dodecafonismo e procedimentos seriais; 4) síntese, na maturidade do compositor, de duas ou mais características mencionadas.
Música popular: Chico Bororó
Das obras populares compostas na juventude sob o pseudônimo de Chico Bororó, foram selecionadas quatro peças, por terem sido gravadas por seu pai, em 1930, tocando a parte melódica principal na flauta - caso da valsa-choro Céo do Rio Claro, da mazurca Assim Dança Nhá Cotinha e da valsa Saudades de Araraquara -, ou realizando um contraponto bem elaborado, como é o caso da valsa Celeste que tem o clarinetista Antenor Driussi como solista. Celeste é a única obra deste período que Mignone escreve em parceria com Alberto G. Fiúza. De Assim Dança Nhá Cotinha e Saudades de Araraquara só se tem o registro fonográfico, não havendo partitura editada ou manuscrito. Apesar de terem sido compostas anteriormente, todas estas obras de Chico Bororó foram gravadas pelo selo Parlophon que registrou neste período dezenove composições de Mignone, muitas com a Orquestra Paulistana dirigida e regida por seu pai.
Francisco Mignone, 1921
Música nacionalista
Mignone transcreveu três peças nacionalistas para piano solo para a formação flauta e cordas, provavelmente por encomenda de seu pai. Portanto, No fundo do meu quintal, Lenda Sertaneja n.8 e Cucumbizinho estão agrupadas em uma pequena suíte com o título de 3 Peças. 3a Seresta e Baianinha também foram transcritas pelo compositor, mas nestes casos, para quarteto de madeiras. Baianinha é uma peça curta escrita em 1951 para coro misto baseada em texto de Wilson Woodrow Rodrigues (n.1916).
As Cinco Peças para duas flautas doces (1976) fazem parte da produção de cunho pedagógico do compositor. As peças têm títulos que remetem ao universo infantil: Brejeiro, Uirapuru, Dona Aranha, a fiandeira, Cantiga de ninar, Pica-pau, o baterista da floresta. Para esta gravação, foram realizadas algumas adaptações das partes para adequar à flauta e ao oboé.
A peça Passarinho está cantando foi composta em 1952 para violino e piano. Nesta obra, Mignone combina elementos da música brasileira em um breve quadro descritivo do título. Já Modinha foi composta em 1939 para violoncelo e orquestra. É uma obra na qual o compositor explora as origens do estilo seresteiro. A adaptação para flauta em sol e piano, apresentada aqui, reflete bem a atmosfera sonora da obra.
Ainda no âmbito das obras nacionalistas, não poderia faltar a mais importante contribuição de Mignone para a música nacionalista, a valsa. Têm-se quatro valsas selecionadas. Mignone declara que decisão de escrever a série Valsa de Esquina resultou da constatação, em conversa com Mário de Andrade, de que a valsa brasileira tinha recebido a menor carga de influência da música americana, permanecendo, apesar da origem européia comum, genuinamente brasileira.
O compositor transcreveu duas das suas Valsas de Esquina para combinações que incluem a flauta, as de número sete e dez. A 7ª Valsa de Esquina foi escrita originalmente em 1940, dedicada a Sá Pereira e transcrita para flauta e cordas e para flauta e piano. A 10 ª Valsa de Esquina é dedicada à sua primeira esposa, Lyddy Chiafarelli Mignone. Foi composta em 1943 e publicada, assim como a de nº 7, em 1944. Valsa de esquina nº 2, composta em 1938 para piano solo e dedicada a Andrade Murici, foi adaptada de sua versão para violino e piano publicada em 1947. Valsa Choro é uma obra original para flauta e piano composta em 1956. Pode-se traçar uma intenção pedagógica na sua simplicidade e na indicação “para um aluno do Carrasqueira” que consta do manuscrito.
Francisco Mignone, década de 1940.
Música neo-clássica
A Suíte para flauta e quarteto de cordas representa o trabalho mais importante de Mignone para a formação flauta e cordas e provavelmente assinala uma tendência do compositor na direção de uma música mais abstrata em oposição à sua tendência nacionalista anterior. A obra foi escrita durante o período de crise do compositor que parece refletir sua busca por novos caminhos. Esta moldura neoclássica oferece a Mignone a chance de escrever uma suíte dedicada ao seu pai, o que talvez justifique algumas das suas características mais conservadoras e a inclusão de formas de danças de origem italiana. A Suíte tem cinco movimentos (Ária, Minuetto, Sarabanda, Siciliana e Saltarello) onde o tratamento brilhante dado à escrita para flauta a faz pairar acima das cordas e a linguagem combina um ambiente harmônico romântico com gestos tirados do impressionismo francês. A transcrição para flauta e piano é do próprio compositor.
Apesar de ter sido composta anteriormente, a Gavotta All´antica para violino e piano, é uma peça que segue as mesmas tendências da Suíte: um caminho neoclássico. Já a Cantiga de Ninar, de 1925, é uma obra para canto e piano com texto de Sibyka, pseudônimo de Silvia Autuori, esposa de Leônidas Autuori, parceiro em várias canções de Mignone. Na versão aqui apresentada, com flauta em sol e piano, a canção adquire uma sonoridade densa e um caráter introspectivo.
Francisco e Alfério Mignone em concerto na Rádio Gazeta, 1957.
Música atonal
A Sonata para flauta e oboé de Mignone, composta em 1969, é dedicada a dupla Zacharias Valiatti e Walter Bianchi. Neste projeto, foi utilizada a segunda versão da mesma obra realizada pelo compositor em 1970, escrita em três movimentos: Vivo quasi preludiando, Quasi Ária e Allegro. A principal modificação entre a primeira e a segunda versão é a troca de posição entre o primeiro e terceiro movimentos
Francisco Mignone, década de 1960.
A Sonata para flauta e piano, escrita em 1962, é dedicada a Alfredo Montanaro, “grande amigo de meu saudoso pai,” resultando em uma sonata de grande porte, provavelmente a obra mais marcante para flauta entre todas escritas por Mignone para este instrumento.
A Sonata para flauta e piano de Mignone destaca-se por duas razões principais: é das poucas sonatas de compositores brasileiros escrita originalmente para esta formação, e é nítido o domínio que o compositor tem dos dois instrumentos e da utilização dos procedimentos seriais como atestam os procedimentos de permutação.
Música da maturidade
A formação quarteto de flautas se tornou bem popular nos anos 1970 e 1980 no Brasil. Mignone contribuiu com seis peças para esta formação Ária, 5/8 Tem Vez, Pausa, Gavotta, Minuetto Irriquieto e Divertimento. É interessante notar que Ária, do mesmo período e com uma escrita similar, não consta nos catálogos e listagens de obras do compositor. Para esta gravação, optou-se pelo agrupamento destas seis obras com o título de 6 Peças para quatro flautas.
Francisco Mignone, década de 1980.
Mignone escreveu seus dois trios para flauta, violoncelo e piano em 1981, em um período de duas semanas. Estas obras demonstram características de seu último período composicional, ao representar seu retorno à escrita tonal em um estilo neo-romantico. Mignone descreve as circunstancias da composição dos trios como “uma suposta paródia verdiana: ‘voltemos ao passado, talvez seja um progresso.’ Uma volta ao que já fui depois de ter vencido barreiras dentro e fora do pentagrama.”
Repertório
Cd 1
1-3. Três Peças 7:07
4-8. Suíte para flauta e piano 12:22
9- 11. Sonata para flauta e piano (1962) 15:52
12. Céo do Rio Claro 3:41
13. Assim Dança Nhá Cotinha 3:28
14. Saudades de Araraquara 3:45
15. Celeste (1923) 3:24
Cd 2
1. 3ª Seresta para flauta, oboé, clarineta e fagote (1961) 4:07
2. Baianinha para flauta, oboé, clarineta e fagote (1961) 2:01
3-5. Sonata para flauta e oboé ( 1970) 10:51
6-10. Cinco Peças para duas flautas (1976) 6:43
11. Ária para quatro flautas ( 1984) 3:29
12-16. Cinco Peças para quatro de flautas ( 1984) 12:24
17. Gavotta All´antica (1931) 2:57
18. Passarinho está cantando (1952) 2:04
19. Modinha (1939) 3:38
20. Cantiga de ninar (1925) 2:408
Cd 3
1-3. Trio nº 1 para flauta, violoncelo e piano ( 1981) 14:19
4-6. Trio nº 2 para flauta, violoncelo e piano (1981) 19:24
7. Valsa Choro flauta e piano (1956) 2:56
8. Valsa de Esquina nº 2 (1938) 4:51
9. Valsa de Esquina nº 7 (1940) 4:37
10. Valsa de Esquina nº 10 (1938) 4:16
Duração total 153:43
Músicos participantes:
Sérgio Barrenechea, flauta, flauta em sol e piccolo – Lúcia Barrenechea, piano
– Hugo Pilger, violoncelo – Luís Carlos Justi, oboé - Carlos Prazeres, oboé
– Fernando Silveira, clarineta – Elione Medeiros, fagote
– José Benedito Viana Gomes, flauta – Nilton Antonio Moreira Jr., flauta
– Felipe Braz da Silva, flauta
CD triplo "A Música para Flauta de Francisco Mignone" está esgotado.
Aguarde o CD triplo completo "A Música para Flauta de Francisco Mignone" para download.